Organizador:
SOUSA, Vicente de Paulo
ISBN: 978-65-87429-35-9 (e-book/pdf)
DOI: 10.35260/87429359-2020
Ano de publicação: 2020
182 páginas
Como citar:
ABNT: SOUSA, Vicente de Paulo (Org.). Agências Poéticas: Cultura de rua e resistência na cena SLAM. Sobral-CE: Editora SertãoCult, 2020.
APA: Sousa, V. P. (Org.). Agências Poéticas: Cultura de rua e resistência na cena SLAM. Sobral-CE: Editora SertãoCult, 2020.
Baixe aqui o seu livro
APRESENTAÇÃO
Geralmente quando falamos em poesia, logo nos vem à mente a ideia de uma literatura erudita, acadêmica, culta e harmônica. Mas a literatura ‘marginal’ [como é corriqueiramente conhecida no meio dos poetas/slammers, ou literatura menor, como denominam Deleuze e Guattari, e esses autores não utilizam esse termo para subestimar esse estilo, mas para contrapor o estilo mais erudito], rompe com esse paradigma mais clássico, indo além das barreiras de uma linguagem abstrata, romântica e leve; esse estilo poético traz nos seus versos uma linguagem mais próxima das realidades dos poetas/slammers. Ela é política, como enfatizam Deleuze e Guattari.
Em Sobral, existem três coletivos que organizam essas edições poéticas em alguns locais públicos. São momentos de muito esbanjar de talentos, quando diversos artistas declamam seus versos de denúncia social, orgulho de si e manifestação de afetos entre seus pares.
A cena poética nos slams é formada por pessoas que se identificam com cada verso recitado, seja quando gritam denunciando a homotransfobia, homofobia, lesbofobia, o feminicídio e a violência contra pretos e periféricos. Os artistas dessa arte são muitos, e a cada dia, novos poetas/slammers chegam à cena dando a sua contribuição. São artistas da periferia, engajados nas lutas sociais cotidianas, agenciam através da poesia marginal em favor das minorias.
Sobral vem sendo pioneira na difusão desse movimento artístico, haja vista que aqui surgiram os primeiros slams do estado do Ceará. Em 2017, aconteceu a primeira edição do Slam da Quentura, em 2018, a primeira edição do Slam das Cumadi, e em 2019, a primeira edição do Slam das Pocs.
Nesse intercurso, diversos outros slams foram sendo organizados noutras cidades. Cabe ressaltar que essa rede de afetos e poesias tem se articulado cada vez mais para difundir a arte poética, agenciando lutas, espalhando orgulho de si, fazendo reflexões e críticas sociais necessárias, sobretudo, numa conjuntura política e social na qual nos encontramos nos dias atuais, onde a opressão sobre as minorias tem sido, de algum modo, instigada, tentando anular o outro, fazendo-o invisível e negando sua existência.
Na cidade de Sobral, a organização desses slams aponta para essa emergência, visto que as edições têm sido pensadas em pautas específicas, ou seja, as lutas do feminismo, mais especificamente sobre feminismo negro, têm sido debatidas na arena poética do Slam das Cumadi, organizado por mulheres, onde apenas elas, juntamente com outras, recitam naquele território exclusivamente reservado para seus corpos, vozes e militância. Muito embora o público seja misto, o lugar de fala é delas.
Não muito diferente está o Slam das Pocs, organizado pela comunidade LGBTQIA+. Não é desconhecido que o Brasil é o país que mais mata pessoas desse segmento, e aqueles que estão na sobrevivência têm de travar lutas diárias para garantir suas existências. O problema não é só fugir das estatísticas dos assassinatos, mas também lutar incansavelmente todos os dias para resistir à segregação imposta por um sistema social heteronormativo, racista e intolerante à diversidade.
As relações de poder no trato com essa comunidade parecem ser ainda mais intensas, dado o fato de vivermos numa sociedade que foi fundada na supremacia da “normalidade”, enquanto padrão construído para legitimar aqueles que já estão no topo da pirâmide social e inferiorizar os diferentes, a diversidade, atribuindo-lhes conotação de subversão e “anormalidade” quando decidem viver fora das normas estabelecidas.
É nesse momento que as pessoas dessa comunidade se unem para desfrutar de seus talentos, é instante de orgulho de si, ser quem são sem reservas, é a fusão de afetos e vivências inclusivas, performando alegria e liberdade.
O Slam da Quentura não é diferente. Está para a diversidade de vozes, aqui a junção de todos os corpos, que se emaranham num imenso ecoar poético. Todos os gêneros, cores e territórios se juntam para compartilhar sensações de afeto e resistências, é uma eclosão de potências negras e periféricas também.
Essa revolução poética já fez acontecer em Sobral a primeira competição estadual, valendo vaga para o campeonato nacional de poesia slam, em 2019, ocasião em que a edição conseguiu lotar a arena poética do Largo das Dores, na Margem Esquerda do Rio Acaraú, local onde acontecem as edições do Slam das Cumadi.
Em 2020, tendo a pandemia como obstáculo para o encontro presencial, novamente, o Coletivo Fora da Métrica, organizador do Slam da Quentura, fez acontecer juntamente com a colaboração de outros coletivos, a segunda edição do campeonato estadual de poesia slam, só que dessa vez, via online, contando com a participação de um público numeroso que se fez presente durante duas noites.
Mas nesse livro estão também outros coletivos que organizam slams noutras cidades, como o Slam Mandacaru, de Massapê, Sarau Resistência JV, de Ibiapina, e o Slam Entrelinhas, de Fortaleza. Todos esses coletivos são portas abertas para novos talentos, além de espaço de agenciamentos em pautas sociais que lhes são pertinentes.
A realidade dos slams é acima de tudo uma organização autônoma, pois geralmente não são patrocinados por instituições públicas ou privadas, é uma colaboração entre artistas e simpatizantes dessa arte poética, onde até mesmo os prêmios, mesmo que de uma forma muito simbólica, acabam sendo uma colaboração afetuosa de valorização e estímulo aos poetas, poetisas e poetes.
Para quem ainda não conhece esse estilo poético, vale ressaltar seu caráter político, não exatamente partidário, mas de leitura social e crítica sobre as desigualdades, opressões e outras mazelas que assolam as minorias. É o lugar de fala das pessoas que a sociedade, em sua atitude de segregação, elegeu como Outro, cuja alteridade se traduz não como diversidade, mas como indesejável, onde aqueles que se consideram “superiores” os apontam como “inferiores” segundo suas réguas de medir posições sociais e quem as devem ocupá-las.
Se mulheres, pessoas da comunidade LGBTQIA+, pretos e periféricos ainda não são maioria nos espaços de poder, agora, seus corpos e corpas estão em algum lugar público, performando agências positivas, ecoando versos em alto e bom som, travando lutas e resistências poéticas, territorializando lugares em que a geografia da desigualdade e segregação lhes aponta como indesejáveis.
É a arte que lhes possibilita ser quem são, estar onde querem estar, dizer o que pensam, emitir opiniões e/ou criticar posturas conservadoras e desiguais. Tais versos podem gerar quaisquer sentimentos, depende daquilo que eles representam para a realidade de quem os ouve, mas uma coisa é particular, é que eles geram sentimentos de afetos e cumplicidade, sobretudo quando partilhamos as mesmas dores ou as mesmas alegrias.
Essa linguagem poética se transmuta para outros códigos semânticos, criando sua própria morfologia e sintaxe, reverberando posições críticas, acentuando novas possibilidades de gênero, rompendo com a clássica e suntuosa definição de cultura, trazendo-a para uma arena onde outras falas, outros corpos e corpas podem ecoar seus linguajares, emitir opiniões e críticas, ao mesmo tempo que falam de amor e solidariedade.
É essa a proposta desse livro quando reúne diversos poetas, poetisas e poetes da cena slam cearense, todos com seus talentos e infinitas potências, não somente culturais, mas de outros agenciamentos dentro de suas realidades particulares. São agentes das periferias, falam de seus cotidianos, mostram, através da arte poética, outras possibilidades em seus territórios de vivências, falam de suas opressões pelo sistema racista, classista, homofóbico, homotransfóbico, lesbofóbico, machista e segregador.
O livro Agências Poéticas: cultura de rua e resistência na cena Slam tem o propósito de mostrar esses talentos da literatura ‘marginal’, ou literatura menor, como definem Deleuze e Guattari, mas é também uma explosão dos ecos de resistência, vozes que lutam por respeito e o direito de existir enquanto pessoas, resguardando suas individualidades e particularidades existenciais.
Vicente de Paulo Sousa
Novembro de 2020
SUMÁRIO
Apresentação / 8
Adílio Kevin (AK) / 14
Revolution / 15
AK Trovão / 18
Nova era / 20
Última parada / 23
Mc Barnabé / 26
Meu Nordeste / 27
Princesinha vitória / 29
Sobral poesia / 30
Rafael Farias (Vetin) / 32
Carta ao cidadão de Bem / 33
Por que escreves cria? / 36
Sócrates ouviu o cria / 37
A teoria da poesia de malandragem para Einstein / 40
Débora Caroline / 43
Salve o Brasil / 44
Quanto vale a vida preta? / 46
A mulher / 49
Ela só quer gritar / 51
Marcela Sena / 53
Sou privilegiada / 54
Não recomendado a sociedade / 58
Justiça / 61
Ancestralidade / 64
Virgínia Oliveira / 67
Sertão / 68
Morte permanente / 72
Mulherão da B / 76
Sou / 78
Claudiana Pereira / 80
A loucura ilegível de ser eu / 81
O poema está nos olhos de quem lê / 84
Mente confusa de uma geração em colapso / 86
Qual é a faca que te corta? / 88
Vick Carvalho / 91
Fogo nos racistas! / 92
Matriarcado / 94
Grito Marginal / 96
Filha de Áries / 99
Rêh / 101
A poesia do artista / 102
Pro macho escroto / 104
Cortes da vida real / 105
Rômulo Pahaliah / 107
Isso não é uma poesia / 108
Pai viado e mãe solo / 110
Aquela terra / 111
Boi da cara branca / 113
Guetho / 115
Cegaram o olho de hórus / 116
Coração dos meus irmãos / 118
Visão do futuro / 120
Máquina do tempo / 122
Thay Gadelha / 124
Resistir pra existir / 125
No final só o amor é a única revolução verdadeira / 127
Ás bruxas tão voltando / 129
Josh / 131
Irão me ouvir ou me odiar? / 132
É o fim dos tempos! / 137
Akwa Ra Mon / 141
Ebryedade terrena / 142
Corpa andarylha / 149
Sereya / 152
Nostalgya transýndya / 154
Malika / 165
Silêncio / 166
Mito / 168
Fim / 169
Travesti / 170
Maya Rosa / 172
Quando encontro a incerteza / 173
Transressureição / 175
Curumynha menina / 178
Anos luz daqui / 180
Agradecimentos / 183